São Paulo, SP

A sexualidade na gravidez e pós parto

Dr Eliezer Berenstein – Clínica Berenstein de Atendimento à Mulher


Os tempos atuais do ponto de vista da evolução da sexualidade humana são de absoluta e rápida transição. Os novos costumes sexuais da população ocidental neste dois últimos séculos, a união dos conhecimentos da psicologia à medicina, a influência da mídia nos costumes pondo fim a paradigmas conservadores, tornaram a observação da sexualidade um desafio maior ainda, quando se busca compreender este comportamento dentro do ciclo da gestação e puerpério.

Para termos uma abordagem deste binômio de forma mais clara, faz-se necessário diferenciar sexualidade e genitalidade. A genitalidade é um instinto a serviço da perpetuação da espécie. Não pressupõem valores, emoções, metas existenciais. Sua gratificação é a reprodução. O termo sexualidade pressupõe valores sexuais. Transcende a biologia e a bioquímica. Necessita do neocortex humano para a sua sensação subjetiva de gratificação. Vai além da ralação, necessita de uma relação.

Um dos pontos importantes do assunto é que com este conhecimento é possível ao homem da ciência contemporânea entender melhor a gestante e seu universo de relações. Além disto, somente através do profundo conhecimento científico da sexualidade gravidez, poderá os educadores e terapeutas sexuais, tornarem-se agentes de uma melhora na qualidade da vida, nesta fase da evolução humana. Não é mais possível que mitos, crendices e preconceitos sejam transmitidos às pessoas por cientistas pobres em informações sobre este delicado tema, dando um aval técnico ao que é crença vinda da ignorância.

Sexualidade na natureza no ciclo grávido puerperal:
O componente biológico da sexualidade anima que serviram muito tempo para a sexualidade humana ser comparada, são determinantes da perpetuação da espécie exclusivamente. Regem portanto o comportamento sexual em interesse da vida no planeta no reino animal. No Homo Sapiens o surgimento do neocortex e o refinamento das emoções e consciência, passa a ser componente influenciador e determinante do comportamento sexual.

Sexualidade na gravidez e puerpério são fenômenos estritamente humanos, pois não ocorre cópulas envolvendo fêmea animal grávida ou amamentando. Daí cai por terra os estudos comparativos com estes fenômenos nos animais. Ate a Homo Ereto, nossa ancestral primitiva, a cópula e a reprodução, possivelmente só respondiam aos imperativos bioquímicos. Uma vez grávida, nada de sexo. Amamentando não havia o cio e portanto nem ovulação ou atratividade.

A natureza preserva a vida animal no planeta por determinantes bioquímicos acima de sentimentos de amor, carinho ou prazer sensorial, apanágio dos humanos. A fêmea animal obedece em seu comportamento sexual, quase que exclusivamente seus instintos de perpetuação das espécies através de seus hormônios estrogênios, determinantes do seu cio (atratividade). Aceita a cópula com machos de sua espécie pela ação dos androgênios(proceptividade), mediados pelos ferormonios. Uma vez grávida rejeita a cópula por ação do progesterona e gonadotrofinas coriônicas.

Embora algumas espécies mais evoluídas apresentem sentimentos de carinho, fidelidade ou amizade, não são estes sentimentos que determinam a sexualidade e a reprodução. Este comportamento é dado basicamente pela Prolactina. O aumento deste hormônio hipofisário determina a ausência do cio que atrairia os machos através da liberação de ferormonios pelos genitais. Além da ausência do componente de atratividade a Prolactina liberada em níveis mais altos na amamentação, deixa a fêmea totalmente voltada para seu produto conceptual. Não se relacionar sexualmente com parceiros, a partir da cópula fecundadora também é instinto determinante para a maternagem. Seus hormônios a transformam em um ser voltado exclusivamente para sua prole. O macho pode ser aceito nas cercanias de seu habitat, mas não é objeto de desejo.

Não há interesses bioquímicos, culturais, conveniências sociais ou afetivas. O sexo para a fêmea prenha já teve sua função e somente voltará a ter quando ela estiver no cio, em época de reprodução quando seu descendente já for auto suficiente. Portanto, podemos afirmar que, no reino animal a genitalidade esta a serviço da perpetuação da vida.

A sexualidade na Homo Sapiens grávida:
Na fêmea humana, os fatores culturais influenciaram os hormônios e a neurofisiologia de tal forma que sexo no período gestatório/puerperal não é uma exceção. Passou a ser uma regra. Também não ocorre sem suas próprias e interessantes particularidades quando comparadas com uma fêmea animal, sendo no entanto, diferentes até mesmo de uma fêmea humana não grávida.

Pode-se se permitir que o casal grávido seja pouco orientado em termos da sexualidade na gestação pela educação, mas nunca será permitido que ele seja mal orientado por um cientista da arte obstétrica.

O ciclo sexual humano:
O ciclo sexual humano por sua vez é constituído por componentes neocorticais que o influenciam fora da gestação. A libido é instintiva e bioquimicamente influenciada por hormônios sexuais e neurotransmissores. Moldada pela educação e a experiência da infância e da adolescência, determina um comportamento caracteristicamente humano chamado sensualidade. Desta sensualidade resulta em erotização de um relacionamento (enamoramento) que provoca a erotização dos genitais e sua preparação para cópula ou Resposta Sexual Humana (RSH). Esta RSH com componentes de excitação, orgasmo, ejaculação no macho e facilitação da ovulação na fêmea, quando em época fértil, é seguida de uma componente chamada Gratificação sexual humana (GSH). A GSH também é apanágio da espécie humana pois implica em consciência da realidade de estar grávida (maternidade) da pessoa que ama e que a auxiliara na manutenção, proteção e educação (maternagem),de seu produto conceptual, junto ao seu parceiro, consciente de sua reprodução (paternagem).

A sexualidade humana pode ocorrer também só por prazer, sem a reprodução como gratificação, apanágio também dos humanos. Sendo só por prazer sensorial o ciclo sexual não implica em maternagem ou paternagem. Os componentes de genitalidade (RSH) são o suficiente para satisfazer a libido. Nos animais o que aplaca a libido é a reprodução e perpetuação da espécie. Nos humanos a sensualidade erotização e genitalidade está acima da reprodução. E é neste ponto exato que se encontram alguma dificuldade.

Durante a gestação a bioquímica não age a favor da sensualidade na fêmea, porém o macho permanece geralmente com a mesma libido.

Dificuldades para o entendimento da dinâmica sexual-afetiva do ciclo grávido puerperal:
Entre as inúmeras dificuldades do estudo podemos sublinhar:

Variáveis extrínsecas:
Muito do que a moderna psicologia acumulou de conhecimentos na área da sexualidade veio através de experimentos laboratoriais em animais. Porém, pouco deste patrimônio pode ser usado no entendimento da sexualidade humana durante o ciclo grávido puerperal. E mesmo entre os hominídeos, apesar das semelhanças, o fator subjetivo humano é por demais complexo para ser observado em laboratórios.

Falta ainda liberdade à ciência para lidar com os aspectos sexológicos isolados de influências religiosas, políticas e econômicas.

A vigência persistente do padrão cartesiano que separava mente e corpo em entidades distintas, alienadas do meio social, fazendo do campo de estudo da sexualidade grávido-puerperal um terreno lodoso.

Variáveis intrínsecas:
Se por um lado estas variáveis extrínsecas dificultam lidar com o assunto, por outro lado, fatores intrínsecos à sexualidade na gestação, agravam ainda mais. Um ser humano é único e sendo assim, não terá comportamentos idênticos aos demais. Como o comportamento sexual é feito em par, as dificuldades dobram. Problemas masculinos que se manifestam numa gestação criam situações ímpares de tal intensidade que necessitaríamos de um tratado da sexualidade dos homens grávidos, para complementar o estudo das mulheres grávidas em sua relação com o sexo oposto.

Dividindo para unir:
Do ponto de vista didático poderíamos agrupar características fisiológicas e patológicas do comportamento sexual gravídica aos fatores biológicos, emocionais, sociais e dialéticos.

Entre os fatores biológicos analisaremos:
A anatomia da gestação sob o enfoque sexológico. A anatomia do aparelho genital da grávida adapta-se a retenção do concepto. O colo uterino ao invés do muco cervical gelatinoso e transparente, facilitador da cópula passa a ter o tampão mucoso ou rolha de Schroeder. Com isto o fluxo vaginal que era composto de líquido intra-tubario, rico em anticorpos, líquido endo-uterino rico em prostaglandinas e o líquido endo-cervical rico em endorfinas, passa a ser exclusivamente um exudato das paredes do tubo vaginal. O útero aumenta de volume a partir da sétima semana de gestação saindo de um órgão de dimensão de uma pêra, por exemplo, chegando no final da trigésima sexta semana ao tamanho de uma melancia. Este peso do útero sobre a pelve provoca na mulher sensações.

A cada trimestre o peso do volume uterino comprime mais a bexiga, determinando a polaciúria da grávida. Algumas passam a ter um tenesmo vesical intracoito e quando não cistites inflamatórias pos coitas. Entre as alterações anatômicas dos órgãos genitais pélvicos capazes de interferir com a sexualidade, as mais importantes referem-se às alterações da lubrificação vaginal. Sem a estimulação típica do estrogênio, benfeitor do trato genital baixo fora do ciclo gravídica, a progesterona, altera a circulação, a lubrificação e por fim a forma do túnel vaginal.
A circulação aumenta a partir do primeiro trimestre, tanto dos plexos vulvares como vaginais, tornando a área extremamente mais irrigada. A alteração da lubrificação vaginal torna a textura da mucosa vaginal mais hiperlubrificada, que por si só seria um aspecto positivo à cópula durante a gestação.

Porém, a partir do parto, esta lubrificação por efeito da prolactina torna-se escassa durante toda amamentação. Neste período de amamentação todos fenômenos regressivos circulatórios tissulares e protetores pela flora de Doderlein desaparecem. Ocorre uma modificação da temperatura, lubrificação e textura vaginal, tão logo se finalizam a laquiação (nome atribuído ao fluxo útero vaginal no puerpério).

  • A fisiologia alquímica da gestação diminuindo a liberação de ferormonios pela pele da gestante, diminuindo sua atratividade ao parceiro..
  • História obstétrica pregressa e atual. Temores de abortos anteriores, ocorridos após uma relação sexual gravam negativamente a sexualidade da gestação atual.

Entre os fatores emocionais intrínsecos analisaremos:
Aspectos diadicos ou seja conjugais:

  • Aspectos inconscientes e conscientes de cada componente da dupla. Em homens com uma educação sexual repressiva é comum associar a imagem da esposa grávida à imagem de sua própria mãe, o que mobiliza o Tabu do Incesto mediado possivelmente pela dopamina.
  • Aspectos sociais, econômicos, culturais de uma sociedade violenta e competitiva levando a uma vida de estressores crescentes e tendo na gravidez mais um estressar evolutivo.
  • Parcerias estáveis cada vez mais raras em nossa sociedade.
  • Parcerias instáveis e triangulações amorosas conflitivas.
  • Produções independentes.
  • Temores inconscientes.
  • Parceiro: Atitude de “deixar andar”, como que postergando para depois da gestação somente à volta da sensualidade do casal.
  • Necessidade de aprovação pelo médico e pela companheira.
  • Da sociedade:
    – Mitos: tais como sexo pode levar a abortamentos.
    – Tabus: A grávida como uma santa assexuada.
    – Omissão geral da medicina, da igreja e da sociedade em discutir a sexualidade da gestação.
A Clínica Berenstein é parceira do Método Gerar – acesse o site  www.tpm.com.br
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